Ninguém lê Iracema (José de Alencar, 1864).

Abra então este livrinho, que lhe chega da corte imprevisto. Percorra suas páginas para desenfastiar o espírito de cousas graves que o trazem ocupado” (ALENCAR, 1865)

Devo ter demorado duas horas para ler Iracema. Ela me acompanhou no metrô e, posteriormente, em horário livre antes da minha faculdade noturna. E, mesmo não estando na lista, foi uma experiência bem interessante ler tal livro. Então, apesar de raramente se ouvir um conselho desse, digo: leia Iracema! Foi R$2,50 na Bienal do Livro e expanda seus horizontes sobre livros que você ouve falar quando está na escola.

Este livro é pois um ensaio ou antes amostra. Verás realizadas nele minhas ideias a respeito da literatura nacional e acharás aí poesia inteiramente brasileira, haurida na língua dos selvagens” (ALENCAR, 1865)

O autor nasceu em 1829 e o seu modo de encarar a literatura é bem diferente do que lemos hoje. A história fala sobre índias virgens e heróis românticos, exatamente como você ouve na aula de literatura do Ensino Médio. Isso, todavia, não tira a preciosidade dessa literatura! Pelo contrário, o livro me foi surpreendente pela qualidade poética, por suas reviravoltas, como elabora os personagens de forma não tão tradicional, pelo conhecimento da cultura, e, principalmente, o final.

“O cristão contempla o acaso do sol. A sombra, que desce dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe ele se tornará a vê-los?”

O livro se desenrola a partir do encontro de Iracema, índia virgem, filha do pajé, que guarda o segredo de Jurema (uma divindade da comunidade) com um homem branco, cristão, guerreiro, chamado Martim, que foi encontrado ferido. No começo a relação era tranquila, a tribo o recebeu bem, mas ao desenvolver da história se torna mais difícil.

“ - E a presença de Iracema que perturba a serenidade no rosto estrangeiro?
Martim pousou brandos olhos na face da virgem.
 - Não, filha de Araquém: tua presença alegra, como a luz da manhã. Foi a lembrança da pátria que trouxe saudade ao coração pressago.
- Uma noiva te espera?
O forasteiro desviou o olhar.”

Além das dúvidas se permanece na terra ou não, parte da tribo não aceita que Martim esteja sendo protegido e integrado ao grupo, ameaçando-o. Para piorar a situação, seus sentimentos por Iracema vão crescendo. Nesse momento, o herói fica entre fugir ou lutar, deixar Iracema padecer ou estar ao lado dela, se fixar naquela terra ou reconstruir em outro lugar.

“ - As flores da mata já abriram os raios de sol; as aves já cantaram; disse o guerreiro. Por que só Iracema curva a fronte e emudece?”

Assim, Martim tenta fugir várias vezes, algumas sem Iracema, outras com ela, tendo também de enfrentar lutas. Apesar de ter o apoio temporário do pajé da tribo, deve receber a benção dos deuses para poder não prejudicar mais ainda a amada, que guarda tal segredo.

“- Estrangeiro, toma o último sorriso de Iracema... E foge!”

Dentre maldições e muitos rivais, o herói acha suporte no irmão de Iracema, Poti, que o acompanha e pensa, junto com a virgem, como fugir e reconstruir a vida. Todos os escapes são noturnos e friamente calculados para não serem pegos pelos guerreiros tabajaras.

“Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta, via o chão juncado de cadáveres de seus irmãos; e longe o bando de guerreiros tabajaras que fugia em nuvem negra de pó. Aquele sangue que enrubescia a terra, era o mesmo sangue brioso que lhe ardia a face de vergonha.
O pranto orvalhou seu lindo semblante.
Martim afastou-se para não envergonhar a tristeza de Iracema.”

O livro elabora muito bem as separações e os encontros, mostrando detalhadamente como é doloroso ter que fugir e se separar da pessoa amada. Além disso, Iracema é um personagem muito ativo e curioso – apesar dos preconceitos da época – porque ela se arrisca. Seus sentimentos são muito fortes e vão se tornando cada vez mais principais ao texto ao longo do livro.

“ – Quanto mais afunda a raiz da planta da terra, mais custa a arrancá-la.
Cada passo de Iracema no caminho da partida é uma raiz que lança no coração do hóspede.”

Também é progressiva a estabilidade do livro. Quando chega aos seus últimos capítulos, o casal já conseguiu uma terra para morar, com alegria e conforto, onde Poti os ajuda. Porém, fica perceptível, tanto na forma escrita tanto na quantidade de páginas que falta que esse não é o fim – o que me surpreendeu. Será que haverá outra guerra? Eles terão que voltar? E o segredo de Jurema?

“A alegria morava em sua alma. A filha dos sertões era feliz, como a andorinha, que abandona o ninho dos pais e peregrina para fabricar novo ninho no país onde começa a estação das flores.”

A partir dessa fixação do casal em território novo que, para mim, faz a história muito peculiar. Martim, junto com Poti, precisam lutar, caçar e enfrentar outros povos enquanto Iracema fica em casa, os esperando, por meses. Isso possibilita que a antiga virgem comece a se sentir solitária, triste e ter um enorme pavor de ter seu amado morto, sem que possa estar por perto.

“A voz de Iracema gemia. Seu olhar buscou o esposo.”

De forma similar o livro apresenta os sentimentos de Martim, também muito receoso de ter Iracema talvez partido nos dia que ele esteve longe. Isso também muda o relacionamento, que antes era apresentado como tipicamente utópico para a realidade.

“ – Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste dela.
- Não estou junto a ti?
- Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais e busca a virgem branca que te espera.”

Tudo isso se agrava ainda mais quando Iracema tem um filho – que se chama Moacir – durante o tempo que Martim está viajando. Nesse tempo, para ajudar a recém mãe, vem um guerreiro da tribo dela, Caubi que ouve o sofrimento da personagem. Ali surge a questão de morrer, de ser abandonado, de se sentir amado ou não. E, no meio desses sentimentos surge o final.

Agora eu te pergunto: Como você acha que termina?

Uma dica/spoiler: O livro termina com a frase – “Tudo passa sobre a terra.” 
(Mas, o que será que passou?)

Espero que tenha te intrigado para ler o livro! Se precisarem, posso emprestar.

Um abraço e boa leitura! 

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