“Abra então este livrinho, que lhe chega da corte imprevisto.
Percorra suas páginas para desenfastiar o espírito de cousas graves que o
trazem ocupado” (ALENCAR, 1865)
Devo ter
demorado duas horas para ler Iracema. Ela me acompanhou no metrô e,
posteriormente, em horário livre antes da minha faculdade noturna. E, mesmo não
estando na lista, foi uma
experiência bem interessante ler tal livro. Então, apesar de raramente se ouvir
um conselho desse, digo: leia Iracema! Foi
R$2,50 na Bienal do Livro e expanda
seus horizontes sobre livros que você ouve falar quando está na escola.
“Este livro é pois um ensaio ou antes
amostra. Verás realizadas nele minhas ideias a respeito da literatura nacional
e acharás aí poesia inteiramente brasileira, haurida na língua dos selvagens”
(ALENCAR, 1865)
O autor nasceu
em 1829 e o seu modo de encarar a literatura é bem diferente do que lemos hoje.
A história fala sobre índias virgens e
heróis românticos, exatamente como
você ouve na aula de literatura do Ensino Médio. Isso, todavia, não tira a
preciosidade dessa literatura! Pelo contrário, o livro me foi surpreendente
pela qualidade poética, por suas reviravoltas, como elabora os personagens de forma não tão tradicional, pelo conhecimento da cultura, e, principalmente, o final.
“O cristão contempla o acaso do sol. A sombra, que
desce dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do lugar onde
nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe ele se tornará a vê-los?”
O livro se
desenrola a partir do encontro de Iracema,
índia virgem, filha do pajé, que guarda o segredo de Jurema (uma divindade da
comunidade) com um homem branco,
cristão, guerreiro, chamado Martim, que foi encontrado ferido. No começo a
relação era tranquila, a tribo o recebeu bem, mas ao desenvolver da história se
torna mais difícil.
“ - E a presença de Iracema que perturba a serenidade
no rosto estrangeiro?
Martim pousou brandos olhos na face da virgem.
- Não, filha de
Araquém: tua presença alegra, como a luz da manhã. Foi a lembrança da pátria
que trouxe saudade ao coração pressago.
- Uma noiva te espera?
O forasteiro desviou o olhar.”
Além das dúvidas
se permanece na terra ou não, parte da tribo não aceita que Martim esteja sendo
protegido e integrado ao grupo, ameaçando-o. Para piorar a situação, seus
sentimentos por Iracema vão crescendo. Nesse momento, o herói fica entre fugir
ou lutar, deixar Iracema padecer ou estar ao lado dela, se fixar naquela terra
ou reconstruir em outro lugar.
“ - As flores da mata já abriram os raios de sol; as
aves já cantaram; disse o guerreiro. Por que só Iracema curva a fronte e
emudece?”
Assim, Martim
tenta fugir várias vezes, algumas sem Iracema, outras com ela, tendo também de
enfrentar lutas. Apesar de ter o apoio temporário do pajé da tribo, deve
receber a benção dos deuses para poder não prejudicar mais ainda a amada, que
guarda tal segredo.
“- Estrangeiro, toma o último sorriso de Iracema... E
foge!”
Dentre maldições
e muitos rivais, o herói acha suporte no irmão de Iracema, Poti, que o
acompanha e pensa, junto com a virgem, como fugir e reconstruir a vida. Todos
os escapes são noturnos e friamente calculados para não serem pegos pelos
guerreiros tabajaras.
“Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta, via o
chão juncado de cadáveres de seus irmãos; e longe o bando de guerreiros
tabajaras que fugia em nuvem negra de pó. Aquele sangue que enrubescia a terra,
era o mesmo sangue brioso que lhe ardia a face de vergonha.
O pranto orvalhou seu lindo semblante.
Martim afastou-se para não envergonhar a tristeza de
Iracema.”
O livro elabora
muito bem as separações e os encontros, mostrando detalhadamente como é
doloroso ter que fugir e se separar da pessoa amada. Além disso, Iracema é um
personagem muito ativo e curioso – apesar dos preconceitos da época – porque
ela se arrisca. Seus sentimentos são muito fortes e vão se tornando cada vez
mais principais ao texto ao longo do livro.
“ – Quanto mais afunda a raiz da planta da terra, mais
custa a arrancá-la.
Cada passo de Iracema no caminho da partida é uma raiz
que lança no coração do hóspede.”
Também é
progressiva a estabilidade do livro. Quando chega aos seus últimos capítulos, o
casal já conseguiu uma terra para morar, com alegria e conforto, onde Poti os
ajuda. Porém, fica perceptível, tanto na forma escrita tanto na quantidade de
páginas que falta que esse não é o fim – o que me surpreendeu. Será que haverá
outra guerra? Eles terão que voltar? E o segredo de Jurema?
“A alegria morava em sua alma. A filha dos sertões era
feliz, como a andorinha, que abandona o ninho dos pais e peregrina para
fabricar novo ninho no país onde começa a estação das flores.”
A partir dessa
fixação do casal em território novo que, para mim, faz a história muito
peculiar. Martim, junto com Poti, precisam lutar, caçar e enfrentar outros
povos enquanto Iracema fica em casa, os esperando, por meses. Isso possibilita
que a antiga virgem comece a se sentir solitária, triste e ter um enorme pavor
de ter seu amado morto, sem que possa estar por perto.
“A voz de Iracema gemia. Seu olhar buscou o esposo.”
De forma similar
o livro apresenta os sentimentos de Martim, também muito receoso de ter Iracema
talvez partido nos dia que ele esteve longe. Isso também muda o relacionamento,
que antes era apresentado como tipicamente utópico para a realidade.
“ – Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste.
Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste dela.
- Não estou junto a ti?
- Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de
teus pais e busca a virgem branca que te espera.”
Tudo isso se
agrava ainda mais quando Iracema tem um filho – que se chama Moacir – durante o
tempo que Martim está viajando. Nesse tempo, para ajudar a recém mãe, vem um
guerreiro da tribo dela, Caubi que ouve o sofrimento da personagem. Ali surge a
questão de morrer, de ser abandonado, de se sentir amado ou não. E, no meio
desses sentimentos surge o final.
Agora eu te
pergunto: Como você acha que termina?
Uma dica/spoiler: O livro
termina com a frase – “Tudo passa sobre a
terra.”
(Mas, o que será
que passou?)
Espero que tenha
te intrigado para ler o livro! Se precisarem, posso emprestar.
Um abraço e boa
leitura!
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